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Os médicos não aceitam lições sobre resiliência

A Ministra da Saúde teve, no dia 24 de novembro, no Parlamento, aquela que terá sido, porventura, a mais infeliz intervenção pública dos seus dias como Ministra e, certamente, uma das mais lamentáveis da história do Ministério da Saúde.

Depois de um período em que os médicos estiveram - e continuam a estar - na linha da frente no combate à COVID-19, ficando mesmo privados, durante semanas e meses, da proximidade das suas famílias para enfrentar um vírus, a certa altura, desconhecido, mas que todos temiam, dependendo de equipamentos de proteção escassos, defeituosos ou inexistentes.

Os médicos foram privados de férias e de descanso. Realizaram-se, literalmente, milhões de horas extraordinárias - há médicos com 600, 800 e 1.000 horas extraordinárias.

Antes da pandemia de COVID-19, os médicos asseguraram, durante anos, indicadores de saúde invejáveis num Serviço Nacional de Saúde que se degrada a cada dia, com condições de trabalho que roçam a indignidade.

É neste contexto que a Ministra da Saúde teve a coragem de afirmar que necessitamos de médicos mais resilientes. E, de facto, é realmente necessária muita resiliência para manter o nível de educação perante esta afronta.

Os médicos não aceitam lições sobre resiliência. Quando muito, têm sido resilientes demais, de tal modo que aparentemente há quem ache que é seu dever sujeitarem-se ao abuso, nomeadamente ao abuso do limite da realização das horas extraordinárias.

Neste capítulo, a Ministra da Saúde considera que alguns preceitos legais não são para respeitar, relativamente a algumas pessoas. É verdadeiramente inconcebível que uma Ministra da República tenha afirmado, no Parlamento, que «todos sabem que não é possível cumprir os limites das horas extraordinárias no SNS».

Infelizmente, estes limites são rotineiramente ultrapassados. É uma realidade que urge combater, que é imperativo que acabe, pela preservação da saúde dos médicos e dos seus doentes, que precisam de um médico saudável que os assista. No entanto, para uma Ministra que tem a pasta da Saúde, a saúde dos médicos não parece ser uma prioridade.

Desta forma, ao apelar à contratação de profissionais mais resilientes, a ministra desresponsabiliza-se da situação insalubre de trabalho no SNS, o que efetivamente condiz com quem nada fez para melhorar o estado atual das coisas. Talvez estas declarações venham por a narrativa de que tudo tem feito pelo SNS estar a decair. As situações de rutura são já indisfarçáveis e as que são públicas são apenas a ponta do icebergue.

Nada, absolutamente nada, foi feito, mesmo em tempo de pandemia, para criar condições de trabalho adequadas para os médicos no SNS. Alguns, cada vez mais, dizem que não querem trabalhar assim. E isso é legítimo.

Tentar imputar a culpa da situação atual a estes médicos, a quem não se pode exigir mais, é imoral e é insultuoso.

A Federação Nacional dos Médicos repudia veementemente estas declarações, que classifica como indignas para uma Ministra da Saúde. É, aliás, difícil de compreender como se pode assumir uma pasta com uma ideia tão distorcida dos trabalhadores que se tutela.

Estamos e estaremos ao lado de todos os médicos, que num gesto de responsabilidade assumam a denúncia do que vai mal no SNS. Essa é a nossa resiliência.

© FNAM - Federação Nacional dos Médicos