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Liberdade de escolha

Liberdade de escolha: a «Dona Branca» hospitalar

Desde há dois anos, os utentes podem escolher qual o hospital do SNS onde querem ser tratados. É uma medida popular que parece ser do interesse tanto do Governo como da população. Esta é uma verdade aparente. E como vivemos muito de aparências parece ser uma boa medida. Mas não é.

Podendo o utente recorrer a um hospital central, porque prefere ou porque supõe não haver resposta adequada ao seu problema no hospital mais próximo, este hospital deixa de se sentir compelido a equipar-se com os recursos materiais e humanos necessários.

Isto cria uma situação semelhante à que, na finança, se designa por esquema em pirâmide, ou de Ponzi, e que se popularizou no nosso país nos anos 80 do século passado pelo caso “Dona Branca”: no início ganham todos, mas no fim todos perdem. É inevitável.

Na base da pirâmide, os hospitais de proximidade são esvaziados de competências e, no topo, os hospitais centrais entram em rutura. No fim, os doentes esperam mais, as listas aumentam e os ganhos em saúde diminuem. Porque o fim da linha não é elástico nem tem recursos ilimitados.

Assim se explicam as situações de pré-rutura dos hospitais centrais, vocacionados para as patologias mais graves e diferenciadas, mas que agora se vêem transformados em urgência básica, urgência intermédia, urgência central, centro de saúde e consulta de especialidade. Tudo isto com o mesmo espaço e os mesmos recursos iniciais. E sem a possibilidade de reenviar os doentes aos hospitais de proximidade porque, entretanto, estes perderam valências ou porque os doentes preferem os grandes centros.

Já entrámos na fase de rutura do esquema da “Dona Branca” hospitalar. Basta ver os números da espera. Basta ver as macas nos serviços de internamento. Basta ver a exaustão de capacidade de resposta a nível de meios técnicos de diagnóstico, blocos operatórios, número de especialistas, de material. Basta ver também que o número de urgências num hospital central passou de menos de 500 por dia para perto de 700 – muitas sem necessidade de urgência hospitalar. Basta ver a fuga de especialistas para lugares onde conseguem programar trabalho em vez de trabalhar para números cada vez mais impossíveis, sem meios e sem reconhecimento.

É verdade que não podemos ter um centro de transplantação ou de cirurgia cardíaca em cada hospital. Nem precisamos. Necessitamos, isso sim, que os hospitais de proximidade tenham meios humanos e tecnológicos para resolver a patologia para que estão vocacionados, de modo a que os centrais consigam dar resposta rápida a situações complicadas ou que exigem meios que só estes possuem.

Sendo tudo isto óbvio, a situação não está a ser encarada como um problema. Tal como no esquema da “Dona Branca”, estamos à espera do colapso. Não podemos permitir que seja esse o desfecho. Na “Dona Branca” tratava-se de dinheiro, aqui significa ou vida ou morte.

Artigo de Nidia Zózimo, originalmente publicado no Público.

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