O SNS não é um biscate

O SNS não é um biscate, é um serviço estratégico e permanente

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Falhada a tentativa de pressão no fim de semana passado, o Conselho de Administração (CA) da Unidade Local de Saúde do Alto Minho (ULSAM), em Viana do Castelo, abriu concurso por intermédio de uma empresa de trabalho temporário para suprir as falhas que não quer resolver por via da contratação de mais médicos sem termo. Este é um episódio revelador do modelo de trabalho que o Governo e as administrações hospitalares querem generalizar no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Depois da tentativa de escalar médicos que já tinham manifestado indisponibilidade para fazer mais do que as 150 horas extraordinárias anuais legalmente previstas, o CA da ULSAM tornou pública a contratação de médicos avulso, para dois turnos noturnos (das 20h00 às 08h00) por um período máximo de 728 horas, pagos a 35,5€ por hora. Este valor é muito superior ao que ganham os médicos nos primeiros anos da especialidade, cujo valor hora é de 16,52€ por hora, ou dos internos, cujo valor hora varia entre 9,54€ e 11,73€ ou mesmo de um médico no topo da carreira, em 42 horas com dedicação exclusiva, cujo valor hora pode chegar até 32,45€, o valor mais alto da tabela salarial em vigor, e ainda assim mais baixo do que o CA da ULSAM está a oferecer para resolver o problema da falta de médicos.

O valor oferecido para pagar as consequências da falta de médicos é um insulto a quem tem alegado falta de verbas para concretizar um programa de emergência para fixar médicos e salvar o SNS, pelo que a responsabilidade deste absurdo é exclusivamente do Ministério da Saúde e do Governo.

O anúncio com a oferta de biscate na ULSAM, que denunciamos, concretiza aquilo que a FNAM tem vindo a denunciar: o Ministério da Saúde e o Governo, ao recusarem as propostas dos médicos para defender a carreira médica e o futuro do SNS, são os responsáveis pelo desenvolvimento de um modelo de trabalho precário, com contratações a termo, ferido de direitos e incapaz de construir as equipas que o SNS precisa para estar à altura das necessidades dos utentes.

Este modelo de trabalho, que mais não é do que um decalque do modelo empresarial das companhias de low-cost, não é útil para a salvaguarda do SNS, nem tão pouco é capaz de ser económico, uma vez que o recurso a empresas de trabalho temporário para suprir tarefas regulares e fixas dos diferentes serviços de saúde do SNS implica gastar até cerca de três vezes mais por hora.

O Ministério da Saúde, o Governo e os Conselhos de Administração pretendem reduzir custos fixos com trabalhadores, mesmo que isso signifique gastar mais dinheiro, investindo numa contratação avulsa, desprovida de direitos e de projeto. É uma escolha política, e os principais lesados são os utentes.

Recusamos e combateremos um modelo de trabalho precário, onde são aplicadas métricas já obsoletas no universo de produção fabril, quanto mais aplicadas à prática clínica, e que, para cúmulo do absurdo, acabam por sair mais caras aos utentes, que ficam simultaneamente com menos SNS e com uma gestão danosa dos recursos públicos.

Continuaremos sem ceder à pressão e sem recuar. Dizemos “somos todos Viana do Castelo” e “somos todos SNS”, sendo que tudo faremos para evitar a transformação do SNS numa plataforma precária de serviços de saúde.

A Caravana da FNAM continuará a mobilizar os médicos para que se recusem a exceder o limite legal das 150 horas de trabalho suplementar, exercendo a profissão e assistindo os utentes sem estarem condicionados pela exaustão.