Assunto: Apreciação à 2.ª versão do “Projecto de diploma – alterações ao
Decreto-lei n.º 73/90
A 2.ª versão
do referido projecto de diploma, sujeito ao enquadramento legal da
negociação e enviado a 3/10/2006, suscita a seguinte apreciação da FNAM:
1.
A nova proposta de alteração ao
conteúdo do n.º 3, do art.º 24.º, embora tenha
passado a incluir 2 alíneas relativas às condições de atribuição do regime
de dedicação exclusiva, continua a possuir uma redacção que não corresponde
às exigências de transparência nesta matéria.
Admitindo que
possa voltar a ser o órgão de gestão a tomar a decisão final sobre a
concessão do regime de dedicação exclusiva, é inaceitável que desapareça o
prazo de 60 dias para essa tomada de decisão, bem como o deferimento tácito.
Sabendo-se,
pela experiência crónica da actuação da generalidade dos órgãos de gestão,
como podem ser obstaculizados estes pedidos com
o arrastamento indefinido das decisões, consideramos indispensável a
manutenção do prazo de 60 dias, ao fim dos quais, caso não exista decisão do
respectivo órgão de gestão, os pedidos serão tacitamente deferidos.
Simultaneamente, a decisão do órgão de gestão tem de se basear em critérios
objectivos e transparentes e não em vagas expressões como “comprovado
interesse para o serviço”. Este tipo de expressões terão
como resultado prático o retorno à arbitrariedade da concessão deste regime
de trabalho em função dos círculos de interesses imperantes em cada unidade
de saúde.
A manutenção
das condições cumulativas, que foram introduzidas pelo D.L. n.º 412/99,
devem
ser os critérios objectivos mencionados para a concessão ou não deste regime
de trabalho.
A introdução
da expressão “comprovado interesse para o serviço” permitiria o recurso às
habituais técnicas interpretativas dos diplomas legais e possibilitaria, por
exemplo, que o regime de dedicação exclusiva fosse atribuído por esse
“comprovado interesse”, sem o cumprimento das condições cumulativas.
2.
No ponto n.º 5, do
art.º 24.º, é estabelecido um período semanal
máximo de 12 ou 6 horas de trabalho extraordinário, consoante o regime de
trabalho é, respectivamente, de 42 ou 35 horas semanais, “para garantir o
regular funcionamento do centro de saúde”.
De acordo com
a actual redacção do D.L. n.º 73/90, estas 12 e 6 horas, em função dos
referidos regimes de trabalho, estão referenciadas, dentro do horário
normal, ao serviço de urgência ou SAP e não como limites do trabalho
extraordinário semanal.
Com esta
proposta de alteração, é visada a eliminação da repartição funcional do
horário de trabalho semanal dos médicos desta carreira.
Deste modo,
todo o horário semanal poderia ser destinado só à urgência ou só a consultas
programadas.
Porque razão,
não é consagrado o acordo prévio dos médicos de família para efectuar
urgências, independentemente do seu regime de trabalho?
Verificamos,
também, que é eliminado o acordo do médico caso o “período semanal máximo de
trabalho extraordinário” seja ultrapassado.
A redacção
deste ponto apresenta, ainda, outra curiosa alteração relativamente ao texto
do DL nº 73/90, ao eliminar o acordo do médico em regime de 42 horas
semanais para efectuar serviço de urgência nos hospitais.
A redacção
deste ponto coloca algumas interrogações:
ü
Será que esse período semanal
máximo será aplicado rigorosamente?
ü
Será que a reestruturação
preconizada para a “rede de urgências” se traduz
pelo encerramento massivo de SAP e CATUS, deixando de haver necessidade de
trabalho neste tipo de serviços? Ou, pelo contrário, ao ser eliminado o
acordo do médico em regime de 42 horas semanais para efectuar urgências
hospitalares, está subjacente o deslocamento arbitrário dos médicos desta
carreira para estas urgências?
ü
Será que, apesar das actuais e
notórias carências de efectivos, não existe necessidade de maior volume de
trabalho extraordinário em “situações susceptíveis de comprometer o acesso
aos cuidados de saúde, designadamente em períodos em que ocorra elevada
afluência de doentes por razões de afluxo turístico, ou em períodos de maior
incidência de patologias sazonais, ou ainda em situações de prevenção e
defesa contra epidemias ou catástrofes”?
ü
Nestas situações, esse período
semanal máximo é ultrapassado com o prévio acordo do médico ou é imposto à
sua revelia?
3.
A redacção do ponto n.º 6, do
art.º
24.º, insiste no ilusório pedido de dispensa da prestação do trabalho
extraordinário.
Como já
referimos na apreciação à 1.ª versão deste projecto de diploma, trata-se de
uma formulação que não tem qualquer resultado prático, dado que basta a
qualquer órgão de gestão invocar as tais “situações susceptíveis de
comprometer o acesso aos cuidados de saúde…” para que o pedido de dispensa
não tenha eficácia.
E esta
redacção ainda se torna mais incompreensível quando visa abranger, mesmo no
plano teórico, somente os médicos do regime das 35 horas semanais.
E os médicos
do regime das 42 horas semanais, porque razões não são igualmente
abrangidos?
Trata-se de
uma discriminação inaceitável e que coloca, até, problemas legais de
carácter mais lato.
Se este
pedido, como foi noticiado na comunicação social, tem como objectivo a
dispensa da prestação de trabalho extraordinário, então a sua designação
nunca poderia ser de " pedido", mas sim de declaração, com carácter
vinculativo.
Aliás, o DL
73/90 estabelece a declaração vinculativa para quem não concorde em fazer
mais de 12 horas extraordinárias por semana.
Mas em torno
do trabalho extraordinário consideramos que, se o Ministério da Saúde
pretende reconhecer o carácter excepcional deste tipo de trabalho, deve ser,
de imediato, equacionada a aplicação do nº 3, do artº
28º, do DL nº 259/98, de 18/8/98, que estabelece como extraordinário o
trabalho prestado a partir das 20 horas.
4.
Concordamos com a nova redacção
dada ao ponto n.º 7, do art.º 24.º, no que se
refere ao acordo do médico para a prestação de trabalho extraordinário em
outros estabelecimentos da Rede de Serviços de Urgência, embora haja a
assinalar que nesta versão desapareceu a referência a “concelhos
limítrofes”.
Tal
desaparecimento significa que os médicos desta carreira podem prestar
trabalho em estabelecimentos da Rede sem limite de distância e sujeitos a
total arbitrariedade na definição do local?
No entanto, a
redacção não explicita se este acordo pode implicar a ultrapassagem do
número máximo semanal de horas extraordinárias, ou se visa apenas legitimar
a mobilização do médico para outro estabelecimento.
5.
Concordamos com a introdução do
novo ponto n.º 8, do art.º 24.º, preenchendo uma
lacuna por nós apontada quanto às despesas de deslocação e alojamento.
6.
Quanto ao n.º 3, do
art.º 31.º (relativo à carreira hospitalar)
reafirmamos a apreciação já efectuada sobre o
ponto n.º 3, do art.º 24.º.
7.
Concordamos com o retorno à
redacção em vigor no D.L. n.º 73/90 de que a conversão das 12 horas de
trabalho normal na urgência em 24 horas de prevenção depende do acordo do
médico. (n.º 5, art.º 31.º)
8.
O n.º 6, do
art.º
31.º, consagra, ao contrário da anterior versão,
um período semanal máximo de 12 horas de trabalho extraordinário no serviço
de urgência.
E a partir
deste período, será com o acordo do médico ou por imposição?
Relativamente
ao pedido de dispensa do trabalho extraordinário para os médicos do regime
de 35 horas semanais, reafirmamos a apreciação anterior sobre esta matéria
(pontos n.os 6 e 7, do
art.º 31.º).
9.
Sobre o ponto n.º 8, do
art.º 31.º,
reafirmamos a mesma apreciação relativa ao art.º
24.
10.
O ponto n.º 9, do
art.º
31.º, é coincidente com a mesma matéria contida
no art.º 24.º e, como tal, também contempla o
pagamento de despesas de deslocação e alojamento.
11.
O artigo relativo à mobilidade
geográfica apresenta uma alteração importante, já expressa sobre os
anteriores pontos dos art.os 24.º e
31.º, em torno da eliminação da referência a “concelhos limítrofes”.
Esta
eliminação perspectiva uma disposição de deslocação arbitrária dos médicos
da carreira hospitalar ( em 35 e 42 horas) sem
qualquer limite de distância.
Inclusive, a
redacção deste artigo assume uma gravidade extrema quando não contempla, ao
contrário do que surge nas propostas de redacção do ponto n.º 7, do
art.º 24.º, e do ponto n.º 8, do
art.º 31.º, o acordo do médico para a sua
deslocação.
Afinal, qual é
a proposta de redacção que prevalece? a dos
pontos referidos ou a deste artigo da mobilidade?
É ou não uma
formulação que visa legitimar perspectivas de deslocar arbitrariamente os
médicos para outros estabelecimentos hospitalares sem qualquer restrição de
distância?
12.
Foi eliminado o artigo sobre o
“Limite e previsão do trabalho extraordinário”.
Esta
eliminação suscita a questão de se saber se os limites previstos para a
Função Pública são aplicados aos médicos.
13.
Quanto à nova redacção da
“norma transitória” verificamos que existe uma alteração de excepcional
importância onde é assumida a perspectiva de extinção dos
SAPs.
Se tivermos em
conta que o Relatório da Comissão Técnica para a Reestruturação da rede de
urgências só prevê para todo o país 24 serviços de urgência básica a nível
de Centros de Saúde, ficamos perante o facto
indiscutível da centralização absoluta de toda a rede de urgências a nível
hospitalar e da eliminação de serviços de proximidade para múltiplas
situações que não sendo efectivas urgências hospitalares têm de ser
resolvidas com celeridade, não podendo esperar largos dias por uma consulta.
Estando
prevista a realização de serviço de urgência para os médicos da carreira de
clínica geral, forçoso se torna admitir que aquilo que está em causa é mesmo
a deslocação para os propostos "serviços de urgência básica" que, estando
dispersos por escassos 24 Centros de Saúde em todo o país, irão implicar o
percurso de, pelo menos, largas dezenas de
quilómetros.
Ao mesmo
tempo, é aberta a possibilidade de utilizar os médicos desta carreira como
recurso massivo nas urgências hospitalares, tendo em conta a proposta de
eliminação do seu acordo para efectuar serviço de urgência hospitalar.
Finalmente,
importa sublinhar que esta versão continua a não dar resposta á situação
criada com a revogação do DL 92/2001 e não avança com qualquer disposição
tendente a considerar o serviço de urgência como um serviço especial sujeito
a uma acrescida penosidade e desgaste, o que implica a consagração de um
esquema remuneratório específico e sem injustificadas discriminações entre
os regimes de trabalho ( 35 e 42 horas semanais).
Apesar desta
versão apresentar vários pontos onde a respectiva redacção foi melhorada,
acabou por introduzir noutros um agravamento substancial das suas
propostas., não sendo explicitado o verdadeiro alcance das suas vagas
formulações, de modo a serem objecto de posteriores interpretações
arbitrárias.
Outro aspecto
que nos suscita total rejeição é a perspectiva reiterada de introduzir
discriminações entre os regimes de trabalho.
Da análise
global do projecto não vislumbramos qualquer benefício efectivo para a
melhoria dos serviços e para uma melhor adequação da organização do trabalho
médico a novas exigências de resposta ás necessidades dos cidadãos.
Esta 2ª versão
veio confirmar a posição de princípio já expressa pela FNAM, de que uma
abordagem negocial que vise proceder á revisão das carreiras médicas não é
compatível com alterações pontuais, desinseridas
do contexto global e cujo objectivo real é encontrar cobertura legal para
medidas ministeriais em preparação e ainda não colocadas “ á luz do dia “.
Como tal,
somos obrigados a considerar que este projecto não só não pretende resolver
qualquer problema existente a nível da organização do trabalho médico, como
tem em vista introduzir disposições profundamente lesivas para os direitos
mais elementares dos médicos e para a capacidade de resposta dos serviços no
desempenho das suas funções assistenciais.
O Ministério
da Saúde assume, assim, uma delicada responsabilidade em introduzir graves
factores de conflitualidade em torno de matérias
essenciais das Carreiras Médicas.
As Carreiras
Médicas têm constituído um instrumento de garantia da qualidade do exercício
da profissão médica e, por conseguinte, da própria garantia da qualidade
assistencial aos cidadãos.
Introduzir uma
clara desregulação do trabalho e consagrar a
completa arbitrariedade das decisões, criando um óbvio
quadro de afrontamento, não pode ter outra leitura senão a de
menosprezar a salvaguarda da qualidade assistencial e da estabilidade de
funcionamento dos serviços de saúde.
A FNAM reitera
a sua disponibilidade negocial e o empenho em encontrar soluções credíveis e
ajustadas para os novos desafios que se colocam á organização do trabalho
médico, mas assumirá integralmente as suas responsabilidades perante os
médicos na defesa de princípios inerentes ao próprio exercício da profissão.
P'la
Comissão Executiva da FNAM
Maria Merlinde Madureira